terça-feira, 31 de agosto de 2010

PASSAGEIROS DA ETERNIDADE














A rudeza da vida por mais que insistamos em polvilhá-la de poesia, faz-nos quase sempre esquecer o essencial, o mais importante, tudo aquilo que nos pode deixar bem com nós próprios que nos pode fazer passar momentos em que o sonho pode ser uma constante da vida. Repetimo-lo tantas vezes, numa roda de amigos, numa conversa de Café, quando conseguimos parar uns instantes nessa corrida para a frente. São as pequenas coisas, os pequenos gestos, que dão sentido à vida, às relações humanas, à descoberta do mundo. De quando em vez, quase sempre por acaso, deparamos com a realidade do que passamos muito tempo a repetir como elemento de uma teoria que parece temos medo de praticar.
No Sábado num tempo em que aguardamos a viagem ao cume do céu através do verde das montanhas, decidimos calcorrear oito quilómetros de um ambiente rural com ares medievais e cheiro a cidade. Não é longe, está à distância de uma mão, mas quase sempre não temos tempo para olhar. A chuva decidiu abrir um interregno quando nos aproximamos da arquitectura românica com vida milenar e que esconde no interior do granito os segredos que os Homens vão confiando a Deus. O ambiente estava molhado e um ar gélido impunha algum recato quando estendemos o caminhar ao longo das veredas da aldeia. De fonte em fonte e após encontrarmos o Museu do trigo e do linho fechado ao olhar do visitante, rumamos a norte pela estrada da via sacra até que o moinho soberbo no alto do monte nos fez mergulhar no interior da floresta. Foi o momento dos duendes, da fantasia, do imaginar que podemos construir a realidade nas asas do sonho. Paramos sobre a fonte da Moira Encantada, sim dessas lendas que os árabes deixaram espalhadas pela península e alimentam a alma dos Homens que acreditam que uma princesa os amará para sempre após um beijo lhes transformar o olhar. Foi o tempo do regresso, do voltar ao início, percorrer o outro limite da aldeia, ver o que já tínhamos olhado, mas agora do lado contrário, pois a vida também tem de ser encontrada quando a vemos de forma diferente daquela que nos apresentam. Se não conseguirmos ver o mundo com o amanhecer e o crepúsculo não saberemos unir as pontas do dia e não conseguiremos descobrir os segredos que se encontram no meio. Imaginando o tempo do comboio, das velhas locomotivas que se arrastavam pelo interior da ruralidade do país, chegamos por fim à antiga estação, onde se cruzaram tempos de viagem, histórias sem rumo, desejos de descobertas e sonhos, sonhos que movem a vontade dos Homens. Quando a uma hora da tarde espreitou deixamos a sombra da velha igreja e rumamos às alturas, até aos milénios que antecederam a nossa era. Por entre ruínas e pedras soltas, deixamos que o pensamento reconstruísse a vida de então, com a dureza dos tempos e a teimosia dos Homens em empurrar a história sempre para o futuro. Ao longe num sol tímido a orla marítima atraí-nos e foi aí sobre as areias da praia, à vista de um mar irritado e aconchegados com o calor da lareira que crepitava num canto da sala, que almoçamos em fraterno convívio. Para alguns, ainda houve um caminhar ao longo da marginal e, só então, quando a tarde declinava calma, regressamos. Talvez voltemos.

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