sábado, 14 de agosto de 2010

PASSAGEIROS DA ETERNIDADE







































































































Já o havíamos tentado, mas dessa vez apenas giramos no interior da imensa floresta que rodeia Pitões, mas agora seria a prova das provas, chegar aos Carris, descer para a Paradela e fechar o triângulo em Pitões. Parecia que o tempo sobrava, pelo que só às 11h00 decidimos iniciar a caminhada. Nesse momento, ainda acreditava que tudo era possível, pois vinte anos antes as dificuldades foram apenas as decorrentes da marcha. No início da descida deixamos que o olhar abordasse o horizonte e entre o verde da floresta, as águas azuis da albufeira e o cinzento da muralha granítica à nossa frente, tudo parecia sedutor e assim demos início à aventura.

Diz quem viu que aí pelo Devónico, já lá vão uns 380 milhões de anos toda aquela mancha granítica se comprimiu, se separou, revolteou, amontoando-se aqui e ali, abrindo fendas, apertando as paredes, solidificando toda aquela matéria até o magma se cristalizar aí pelos 700º. Já quando tudo parecia calmo, quando o sossego parecia não estar só de visita, lá para o Plistocénico e num tempo que viajou dos 1,8 milhões de anos até ontem, ou seja, há 10.000 anos atrás, variações climáticas glaciares, às quais se foi juntando a erosão do tempo cavaram desfiladeiros profundos e paredes de pedra impenetráveis, escondendo segredos, guardando a frescura, deixando correr a água que aos saltos entre pedras de vários tamanhos procuram a saída de cantos escondidos da alma humana.

Já o sabíamos, mas saltou à vista quando o calor do meio-dia principiou a queimar-nos a vontade por baixo da fraga onde se ergue soberba a capela que nos há-de seguir durante os três dias. Esse desejo do Homem tentar chegar ao céu, provoca-lhe essa ânsia de amar as alturas e até lá levar as suas preces. E duas horas após termos partido, numa sombra de árvores que se juntaram para nos proteger, almoçamos para nos prepararmos para as dificuldades do dia, as quais viriam a ser mais do que as previstas e entre, caminhos encontrados, o auxílio da bússola, lá fomos ultrapassando os obstáculos, vencendo as agruras do terreno tentando alcançar a barreira que nos tapava a passagem. Mas o tempo viajava a um ritmo superior ao nosso, a temperatura não baixava e a água nos cantis reduzia-se a uma cadência veloz. Onde encontrar água, com os ribeiros secos do Verão, foi a pergunta que nos fomos colocando, até que quando já as seis horas da tarde nos visitavam, decidimos montar acampamento e no dia seguinte deliberaríamos se prosseguíamos o objectivo daquele dia ou rumaríamos à albufeira da Paradela. O jantar foi alegre, o cansaço parecia ter partido com o sol e contemplamos as irregularidades da Lua em Quarto Crescente, procuramos as constelações próximas e longínquas e quem ficou até o selenita partir diz que o universo era um mar de estrelas. Com pena minha já não abandonei a protecção da tenda, entretido que estava em adormecer o frio, pois o saco cama tinha ficado esquecido em casa.

O amanhecer foi frio, mas virados a nascente, logo o sol nos abraçou o corpo, aquecendo-nos da frialdade nocturna. O dia começou com os parabéns a você bem merecidos à Lígia que há longo tempo nos acompanha. E as nove horas da manhã encontraram-nos a abandonar o prado que nos tinha servido de lugar de descanso entre a passagem dos dias. A muralha granítica mantinha-se à nossa direita e já não fui capaz de incentivar a sua passagem. O azul da água era agora visível e o desfiladeiro ligeiramente aberto à nossa frente parecia seduzir-nos com afecto pelo que iniciamos a sua descida. A meio detivemos a marcha e subimos até ao cume mais próximos para avaliar do melhor trajecto a seguir e o estradão aberto à esquerda apareceu como uma sedução inultrapassável, até porque a sua visão parecia próxima, mas a realidade veio a mostrar-nos uma hora de marcha para o alcançarmos e pouco depois, à sombra de um carvalho magnífico, preparamo-nos para o almoço já quase só com a água de um ribeiro, preventivamente fervida. O sol queimava e essa intensidade era já bem visível na pele dos braços e do pescoço. O dia estava magnífico, espantosamente brilhante e embora Pitões não se avistasse, tínhamos agora o Outeiro no nosso horizonte e foi no momento em que olhava a natureza que procurava saciar essa sede de infinito que nos fala o Luís Represas que senti no pensamento e na memória a poesia dos MadreDeus de que “ao largo ainda arde/a barca da fantasia/que o meu sonho acaba tarde/acordar é que eu não queria”, que surgiram os cães antecipando o pastor e as cabras e do diálogo que travamos logo ficamos a saber que 100 mts à nossa retaguarda existia uma nascente de água. Aí decidimos que iríamos caminhar até ao Outeiro para visitar o Café local. Foi com outro ânimo que reiniciamos a descida que se viria a mostrar longa, escaldante e nos fez descer a uma cota demasiado baixa, prenúncio de nova escalada. Na travessia do rio, este convidou quase todos para um banho refrescante e retemperador, o qual foi decisivo para a subida que nos aguardava, terrível, extensa, quase desanimadora e que nos destruiu quase por completo as forças que nos restavam e a aldeia ainda se perdia no infinito do nosso horizonte, o que significava mais uma hora de caminho, mas agora a paisagem já reflectia o trabalho humano, ordenamento e suficiente beleza para nos encantar ao fim da tarde. A entrada em Parada de Outeiro começou pela oferta de vinho aos que o bebem e sede tinham, acabando por nos acompanhar o garrafão até ao lameiro onde nos deixaram montar o segundo acampamento. Alguns ainda sentiram força e desejo para mais 1 km até ao Café do Outeiro onde uma Cristal fresca quase nos pareceu o paraíso. Adormecemos com os sons da aldeia.

O frio já foi menos penoso, mas a humidade conseguiu perturbar o sono que o cansaço chamava e o amanhecer do lado oposto ao do sol, transformou o início da manhã num momento de grande intensidade de frio. Restava agora, no terceiro dia, regressar a Pitões. Ainda aguardamos pelo padeiro no centro da aldeia e abastecidos de pão, água e do vinho que sobrou da noite anterior, pusemo-nos a caminho para o que calculamos quatro horas de marcha. E foram. Após a recuperada Fajã do Lobo, o trilho insinuou-se pelo cimo da floresta de carvalhos e só interrompemos a marcha para nos deleitarmos com um pouco de comida, tendo logo após descido até ao ribeiro que salta da cascata do mosteiro e logo se deparou o que seria a última subida, com uma diferença de cota a rondar os 300 mts, foi de uma exigência extrema. O cansaço de três dias, o sol do meio-dia quase sempre escondido pelos carvalhos e o grau de inclinação, levaram até ao limite a nossa capacidade física, mas aí revelou-se o melhor de todas as capacidades e a experiência adquirida, fez-nos suportar sem parar aquela extraordinária subida que só interrompemos quando a aldeã estava à vista e próxima. Após almoçarmos o que nos restava, percorremos o ultimo quilómetro e descansamos no Café saboreando uma apetecida cerveja. A tarde ainda nos permitiu uma visita ao que resta do mosteiro de Santa Maria das Júnias e refrescar os pés nas águas mansas do ribeiro onde os monges há 800 anos saciavam a sede.

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