domingo, 15 de agosto de 2010

PASSAGEIROS DA ETERNIDADE


















Há ainda uma história por contar, a qual pode ajudar a compreender porque razão um grupo de pessoas pode mobilizar-se para, sem abdicar do prazer, da satisfação do que fazem, sentirem que se podem superar a si próprios.
Há 3 anos, um grupo de pessoas, decidiram viajar até às montanhas do Gerês e fazer uma caminhada. Caminhar entre a natureza é sempre um prazer, umas vezes exigindo mais esforço, outras, o simples bem-estar de caminhar. Nessa primeira jornada resultou claro que os objectivos traçados eram apenas uma referência e que o grau de dureza da caminhada situava-se num patamar um pouco acima do que muitos naquele dia esperavam.
No entanto, alguns ficaram, para cada 3/4 meses desafiarem aquelas montanhas e por novos caminhos tentarem um contacto diferente com a natureza, a das pedras, duras e nuas pelo desgaste do tempo, a das árvores transformadas em fantasmas pela destruição do fogo e a incúria dos homens, a dos arbustos que alimentam a beleza da solidão e o isolamento da paisagem, a da mistura das cores, que convive no silêncio e sob o sol e o céu, e assim foram ficando amigos.
Hoje, 3 anos, 14 caminhadas e muitas dezenas de quilómetros percorridos, no regresso de cada viagem, sentimos a, fadiga, vimos um pouco sujos, mas sempre sorridentes, pensando que as dificuldades encontradas superaram tudo o que podíamos ter imaginado e que quem conseguiu chegar ao fim desta vez, vencerá tudo. Quer dizer, pensamos sempre que, a caminhada de hoje, foi a última fronteira.
Este sábado quando partimos do Porto num amanhecer agradável mas povoado de nuvens ainda não conhecíamos a verdade sobre a fronteira que será o limite das nossas capacidades. Ao chegarmos à vila do Gerês, percebemos que o tempo estava difícil, as nuvens apertavam-se no céu por cima de nós e no topo da montanha que nos chamava, a neblina escondia o nosso objectivo. Ao chegarmos a Leonte, a situação agravou-se, a temperatura baixou, o frio rondou-nos, mas não chovia. Uma variedade de cores outonais brilhava sobre a humidade, realçando ainda mais a beleza da paisagem envolvente. Iniciamos a subida e o estradão parecia dar-nos alguma confiança, mas em breve nos internamos na rudeza da montanha e as dificuldades obrigaram-nos a apelar às nossas reservas físicas. Ao fim de 30 minutos e quando parecia termos alcançado o cume, paramos por breves momentos enquanto permitíamos que diálogos animados e sorridentes rompessem as sombras da neblina que sem ser espessa era suficiente para nos encurtar imenso o horizonte. Num momento de maior esforço, paramos de novo para nos alimentarmos um pouco. Reiniciada a subida e com 90 minutos de caminho, somos surpreendidos por algo que temíamos, mas tínhamos a esperança que não acontecesse. Alcançados os 1000 metros, a neblina transformou-se em chuva e esta soprada pelo vento, bateu-nos de forma inclemente. Ponderamos o regresso, mas entre o tempo já percorrido e o que nos faltava, decidimos prosseguir. Durante algum tempo, o caminho parecia fácil, mas de paisagem aberta a chuva invadia-nos da cabeça aos pés. Impreparados para aquela situação fomos vencendo uma dificuldade após outra e a nossa atenção deixou de pensar na paisagem que certamente abraçava o caminho. Peça a peça, a roupa foi-se molhando, Os kispos, as calças, as camisolas, as botas que pareciam irresistíveis estavam agora encharcadas e no seu interior sentíamos a água a formar lagoas. Deixamos de nos preocupar com as pequenas aglomerações de água, pois já nada nos podia molhar mais do que estávamos. As mariolas continuavam a indicar-nos o caminho, mas este alongava-se de tal forma que chegamos a duvidar que nos encontrávamos certos. Duas horas depois, a chuva, e o vento por vezes, persistia. Era uma tentativa de ver quem cedia primeiro. Pela nossa parte, continuamos, pois também não havia retorno. Foi então que deparamos com um trilho duplamente assinalado. Cedemos ao mais fácil e seguimos a direcção que descia, mas 200 mts adiante, a bússola chamou-nos a atenção de que o sul era no sentido inverso. Parlamentamos rodeados pela água que sem descanso continuava a cair e a molhar-nos, o que naquele momento significava mais precisamente, encharcar-nos. Voltamos para trás e reiniciamos a marcha. Trinta minutos depois, a chuva cedeu, amainou e parou, deixando-nos apenas a humidade e o frio que nascia do nosso descanso para almoçar. Recomeçamos e a paisagem era agora menos agreste, e mais arborizada o que podia indicar o fim do percurso e quinze minutos percorridos, assim foi, alcançamos o estradão que procurávamos junto à Casa da Junceda.
Alterados os nossos objectivos, havia que descer até à Vila e assim fizemos. Só que o aceiro que nos havia de servir de trajecto encontrava-se abandonado e não passava de uma floresta de giestas e foi por entre estas que durante uma hora fizemos a nossa viagem. Já não havia chuva, a trégua prolongava-se, mas a água das giestas acabou por nos transformar de cima a abaixo num trapo de água. O resto do tempo foi para descobrir roupa barata, almoçar algo mais e regressar sem chocolate quente.
Na verdade, tanta foi a água na roupa e no corpo que nem demos conta do cansaço da viagem que sem ser muito, algum foi. E assim, ficou demonstrado que haverá sempre uma última fronteira que provará que nos podemos exceder, e essa será, aquela que ainda não vivemos. Que nos falta ainda conhecer do Gerês? É caso para dizer, a última fronteira.

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