terça-feira, 17 de agosto de 2010

PASSAGEIROS DA ETERNIDADE




































































Em certas ocasiões parecemos poucos e demasiado pequenos, face à dimensão das coisas, mas com o passar do tempo, acabamos por nos integrar na paisagem e sem adquirirmos a sua grandiosidade, diluímo-nos no seu interior como se lá sempre tivéssemos vivido. Este sábado também foi assim e tal foi a nossa integração que os gestos, de tão habituais, pareciam normais e de certezas adquiridas. A promessa era viajar a um ponto que nos aproximasse da voz de Deus sem perder de vista a terra e às dez da manhã, num recanto da aldeia, ali estava aquele ponto branco, brilhante, distinguindo-se do castanho acinzentado da penedia em claro desafio às vontades humanas. No que sempre pareceu um dos pontos mais elevados, sobranceira, altiva, dirigindo um convite a quem contemplava o ponto minúsculo do horizonte. Tudo estava calmo, a tranquilidade acompanhava-nos por todo o lado, verde bastante pelos terrenos de pasto e uma Primavera tardia trazia ainda as árvores despidas, pintando as encostas apenas de tapetes violeta de florestação rasteira. A água arrastava-se com preguiça pelos regatos em direcção ao ribeiro maior como quem tem tempo para chegar, o sol brilhava branco e puro no interior de um céu azul. O caminho iria ser íngreme como se adivinhava, mas haveríamos de chegar como noutras viagens e noutras aventuras. E chegamos, que a vontade era essa, apesar de nos últimos trinta minutos a penedia se inclinar abruptamente até terminar numa escadaria imitando de forma ligeira os altares Maias. Mas o nosso altar era também magnífico no alto da fraga. Ao erguermos o corpo num último empenho, e alcançarmos aquela pequena plataforma, percebemos a grandiosidade das coisas, a beleza da vida e como tudo é pouco e enorme ao mesmo tempo. Ali, chegaram os Homens através dos santos, mensageiros e mediadores do caminho para Deus. Este, era o S. João, o Evangelista ao que nos disseram e, tal é a vontade humana em trepar até aos céus, aproximar-se o mais que puder da pureza que respira do azul celeste, que escolhem o caminho agreste da montanha e o seu pico mais alto para que, entre o infinito e a terra não existam obstáculos. Ali, assim foi, sem dúvida, em época imemorial, tão longínqua que os homens já esqueceram e até ao santo atribuem a construção do que, eles próprios, realizaram. Durante largos minutos, rodamos sobre nós próprios, encantados com a possibilidade de desfrutar de paisagem tão bela, de descobrir caminhos, de imaginar aventuras, de soltar os sonhos em galope eterno. Quem quis escutou a voz mágica que apelava aos crentes a orar, ou quem se deixou seduzir ao espreitar o interior daquela capela em pedra, pôde ouvir ainda os cânticos de monges que ao amanhecer ou nas vésperas, cativam quem está para além deles e sobre eles. Por mim, ouvi, distinto, pleno de beleza, esse cântico que, ao longe, as águas da cascata traziam do interior do mosteiro com o enriquecimento dos séculos e do sossego medieval. A descida foi calma, lenta e pausada e no ponto mais baixo, olhando de novo as alturas, voltamos a perceber como a terra e os homens se podem elevar a destinos incomensuráveis quando o desejo impele a vontade, mesmo que seja para seduzir quem parece superior, eterno e perene.

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