sexta-feira, 8 de outubro de 2010

PASSAGEIROS DA ETERNIDADE














































Bem podemos dizer que a vida sempre nos revela instantes de surpresa e por muito que nos preparemos haverá sempre algo que não conseguimos prever e essa imprevisibilidade dá-lhe tonalidades que tornam o desconhecido sedutor e alimentam o sabor da aventura. Podemos projectar com rigor e chegar até ao pormenor do objecto e do desenho, mas haverá sempre um traço que se estenderá para além de nós e do papel onde o lápis dos nossos sonhos construiu a paisagem que queríamos ver naquele momento ou nos outros que se seguiriam. Transforma-se assim a vida numa experiência constante que nos arrasta para a sedução do que é novo e do que é diferente, desafiando em nós a adaptação da imaginação, a correcção da rota, a interrupção do destino ou até o retorno ao princípio, mas a motivação dos actos reside na capacidade desse permanente recomeçar, sem desânimo, sem interrupção e ir e voltar confunde-se com o caminho que não deixamos de percorrer. Enquanto as asas do sonho voam podemos sempre soltar a fantasia e descobrir o que desejamos, mesmo que pareça não existir na realidade que nos cinge. Por mim, encontrei-a bem cedo naquele instante em que a linha do horizonte define o contraste entre a luz e o escuro, entre o dia e a noite. Senti-a quando o sol espreitou por sobre a alva e rompeu num mar de luz sobre a terra e escutei-lhe o som, leve, sereno e puro quando a primeira floresta de verde se fechou sobre nós. Percebi-lhe a presença quando me debrucei sobre as águas do rio que corriam apressadas para o grande lago num cântico de alegria que abraçava a manhã. Ouvi-lhe os passos quando parei em êxtase derrotado pela grandeza das fragas entre a penedia rochosa que se erguia em desafio ao céu e quando de um salto atravessei as águas caudalosas para me agarrar a um arbusto salvador, senti-lhe a sombra em descanso sossegado na margem esquerda do sonho. No zénite da nossa estrela, prendeu-me os olhos quando tentava encontrar as asas de um milhafre que devia planar alto fendendo o céu em voo soberbo e no momento em que deitado observava as pétalas violetas de uma flor solitária, pressenti-a como um afago de brisa sobre o rosto. Quando o dia declinava por entre uma luminosidade de sombras, tocou-me ao de leve no ombro e apontou para as encostas das montanhas para escutar o som acariciador de uma flauta que descendo entre verdes e castanhos abria caminho à noite e quando esta descobriu a porta e entrou ainda lá estava procurando-me entre os verdes das copas das últimas árvores. Talvez fosse uma mulher, por mim, quis que fosse o rosto de uma mulher, mas para vós, foi antes, o que vai dar ao mesmo, a beleza da vida entre a natureza das coisas que encontramos na tentativa de conhecer a nascente do rio Homem.

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